[tempo de leitura: 5 minutos]
os últimos meses me fizeram questionar muito o que me faz feliz, quem me faz feliz e onde me sinto feliz.
a edição de hoje tem um pouco a ver com isso. espero que você goste!
até quarta que vem,
le :)
um texto ✍🏼
um homem de meia-idade pega o trem todos os dias.
pela manhã, o trem o leva de casa para o trabalho. à noite, ele o devolve de volta para casa. todos os dias, sem falta, lá está o homem de cabelo grisalho, com mão direita no bolso, de pé, na plataforma esquerda, esperando o mesmo trem.
seu trabalho é tudo o que ele batalhou para ter. lá ele tem amigos com quem conversar no almoço, um computador dos bons, um escritório bonito. lá ele é reconhecido por fazer bem o que faz.
sua casa é cheia de amor. amor pela mulher, amor pela filha, amor pelo cachorro. e também pelo jardim, pela sala de estar espaçosa e pela mesa de jantar para oito pessoas.
mas, ainda assim, todo dia aquele homem senta no trem sentindo uma pontinha de vazio. um vazio sem nome, sem motivo. um vazio tão bobo que não se coloca em palavras, um vazio que ele só sente ali, quando senta sozinho no trem.
certa noite, voltando para casa, o homem repara pela primeira vez na janela acesa do segundo andar de um prédio qualquer. uma música animada toca. uma curiosidade surge.
na noite seguinte, ele espera aquela parte do trajeto com ansiedade. se esforça e lê a placa pequena que diz: “dança de salão, terças e quintas às 20h".
semanas se passam.
todo dia o homem vê a janela da escola de dança. toda noite ele se esforça para espiar um pouco mais do que acontece lá dentro.
até que, sem entender o motivo, ele desce do trem, entra na escola e, mais por curiosidade do que vontade, faz uma aula.
ele é um desastre. não acerta um passo, não tem ritmo. ele simplesmente não nasceu pra isso. mas, por incrível por pareça, ele volta.
durante as aulas, aquele pequeno vazio sem nome, que antes parecia se expandir cada vez mais no canto do coração, parece ficar menor. às vezes, entre um passo e outro, ele até se esquece dele.
e então ele volta.
na semana seguinte, e na outra, e na outra.
meses se passam.
ele agora é um aluno regular, conhece toda a turma, fez novos amigos, aprendeu os passos, ganhou ritmo.
ele gosta das aulas, gosta das músicas e gosta da dança. ele se sente bem, sua disposição melhorou, sua autoestima reviveu. ele percebeu que, apesar de nunca ter sido triste, até então, ele não era plenamente feliz.
um dia, só depois de muito tempo, sua mulher finalmente descobre sobre as aulas, o real motivo dos seus atrasos constantes às terças e quintas. Ela então pergunta:
“por que você não me contou?”
e ele responde:
“eu tive vergonha de admitir que tudo o que eu tinha ainda não era o suficiente para me fazer plenamente feliz. tive vergonha de dizer que eu precisava de algo a mais”.
se você é fã de filmes sessão da tarde talvez tenha reconhecido essa história.
é o que acontece com John Clark, no clássico dança comigo.
confesso que já assisti esse filme centenas de vezes, mas só a pouco tempo entendi o que John, o homem grisalho de meia-idade, quer dizer com “a vergonha de dizer que precisava de algo a mais”.
no começo, achava essa frase uma falha no roteiro. uma desculpa vaga, vazia.
mas só depois de viver a mesma vergonha, entendi a dificuldade e a tristeza de admitir que tudo o que temos, quando já temos tudo o que sempre sonhamos, ainda não preenche o vazio.
parece uma falha no planejamento, um erro de cálculo. está tudo aqui, mas mas a soma não é suficiente.
no filme, o algo a mais do John foi aprender a dançar.
por aqui, o meu algo a mais tem sido me reconectar com a minha espiritualidade, minhas crenças, minha fé.
por aí, seu algo a mais pode estar bem perto, esperando que você tenha a coragem de admitir que talvez você precise mesmo de algo a mais pra preencher um pouquinho desse vazio antes que ele se torne tristeza.
duas citações 💬
“não sei se podemos nos arrepender do que nos fazem, já que não podemos impedir que façam’ — argumentei. — ‘quase nunca podemos, e, ainda assim, os piores arrependimentos são do que deixamos que nos façam.” - carla madeira, em a natureza da mordida.
“quando me sinto confusa em relação a alguma coisa, escrevo sobre ela até que eu me torne a pessoa que aparece no papel: alguém que é plausivelmente confiável, claro e intuitivo.” - jia tolentino e carol bensimon, em falso espelho: reflexões sobre a autoilusão.
três links 🔗
já que estamos no clima sessão da tarde, aqui vai a recomendação da melhor comédia romântica que assisti nos últimos tempos. finalmente um filme atual com gostinho de 2010. [link]
não sei se já contei, mas amo pular corda. foi uma das poucas coisas que comecei na pandemia e não parei mais. aqui vai um incentivo dos bons se você quiser começar [link]
um spoiler sobre a sua vida: quando você menos esperar… [link]
que edição especial <3
Espiritualidade nos faz enfrentar as fraquezas sem medo de ser feliz.