Verão, ventilador no máximo, algum especial de natal da Globo na televisão, família reunida na casa de um parente, amigo secreto, pisca-pisca ligado, pinheiro de plástico na sala, pavê de sobremesa.
Esse é um típico natal por aqui e eu aposto que pelo menos duas dessas coisas se repetem na sua casa também.
Então, porque é que ainda associamos o natal a pinheiros cobertos de neve, meias de lã com desenho de rena, chocolate quente e casacos quentinhos?
Para entender porque a ideia que sustentamos de natal não tem absolutamente nada a ver com a realidade de como celebramos essa data por aqui, vamos ter que visitar um conceito que surgiu no século passado: hegemonia.
Segundo o filósofo Antonio Gramsci (1891-1937), um dos maiores estudiosos do tema, hegemonia é a capacidade de um ou mais grupos sociais de comandar outros. Isso pode ser feito introduzindo ideias por meio da cultura ou pelo uso da força e, quanto mais uma ideia é difundida culturalmente, menor é a necessidade de violência.
O Gramsci também vai dizer que em uma sociedade capitalista, os grupos que possuem melhores condições econômicas podem exercer seu poder sob aqueles em situações mais vulneráveis.
Na prática, isso quer dizer que a sociedade entende que os grupos mais ricos são um modelo a ser seguido e por isso os copiam, mas isso só acontece porque a cultura dos grupos ricos está sendo a todo momento introduzida por meio de filmes, músicas, moda ou qualquer outra expressão cultural no dia-a-dia das classes mais baixas.
EUA: o rei da hegemonia cultural
Se tem um país que sabe usar a hegemonia cultural a seu favor é os Estados Unidos. O natal é um exemplo perfeito disso.
Eu cresci assistindo filmes de natal na Sessão da Tarde e lembro de quando percebi pela primeira vez que o nosso natal não tinha neve. Na minha cabeça não fazia sentido nenhum… “É que aqui não neva", essa foi a resposta que eu recebi de algum adulto. Mas ninguém entendeu que a minha pergunta mesmo era: “se aqui não neva, porque neva em todos os filmes?”
Eu não sabia que os filmes não tinham sido feito para nos representar, que aquela história era sobre outro país, fruto de outra cultura. Essas produções que me acompanharam desde pequena moldaram meu imaginário sobre a data, e eu sei que não foi só comigo quando vejo as decorações de natal nos shoppings imitando neve.
O resultado disso é a busca contínua de um natal próximo ao estadunidense com toques de Brasil.
Quem sustenta a narrativa do Natal como conhecemos?
Gramsci defende que existem instrumentos encarregados de gerar o consenso necessário para o exercício da hegemonia, ou seja, repetir a narrativa dominante para o resto da sociedade até que ela seja aceita como a única narrativa correta.
A indústria do cinema é um dos instrumentos responsáveis por criar essa imagem natalina 100% estadunidense na nossa mente. É só olhar o catálogo da Netflix com dezenas de filmes retratando o natal do mesmo jeito que os filmes da Sessão da Tarde faziam.
Lado a lado com os filmes, no ranking de quem ajuda a sustentar a narrativa do natal estadunidense para o resto do mundo está a publicidade.
E não daria para terminar essa reflexão aqui sem citar a Coca-Cola, marca responsável por criar a imagem do Papai Noel como conhecemos hoje: gordo, de barba branca, simpático e (coincidentemente) vestido da cabeça aos pés nas cores da marca.
Escrevendo essa edição tentei lembrar de propagandas que explorassem um natal mais brasileiro, mas não consegui pensar em nenhuma. Se lembrar de alguma me conta? É só clicar aqui:
Agora, na boa…
Não é que eu acho que deveríamos vestir o Papai Noel de Havaianas, colocar uma cervejinha gelada na mão dele e substituir todos os pinheiros por coqueiros, até porque existe algo bonito nessa narrativa Norte Americana, e é por isso que continuamos comprando ela.
Mas vamos combinar que também existe um espaço enorme a ser explorado pelo cinema e pelas marcas no Brasil para criar algo mais original. Nosso natal é tão único, engraçado e cheio de memes, tem muita coisa que pode virar campanha publicitária e roteiro de cinema.
Todo ano as marcas têm a oportunidade de transformar essa data que move tanto dinheiro no nosso país em algo mais próximo da nossa cara. Eu fico ansiosa para ver o que pode acontecer quando elas decidirem de fato investir em uma nova narrativa para o natal.
E você, o que acha disso tudo?
🔎 Teoria para se aprofundar
Esse artigo aqui fala mais sobre hegemonia cultural.
E esse outro lista alguns símbolos natalinos e sua origem estadunidense: o pinheiro, a chaminé, o peru da ceia e até o Papai Noel.
Uma linha do tempo com a evolução das propagandas de natal da Coca-Cola.
Esse vídeo da Coca-Cola conta como eles inventaram o Papai Noel que conhecemos hoje.
✨ Case para se inspirar
Quem trabalha com imagem sabe o quanto é difícil encontrar fotos que cheguem perto da realidade brasileira, por isso as comunicações acabam tendo tanta cara de gringo e criando um distanciamento do público.
O Brasil com S, projeto da Lab 678, surgiu para mudar isso. Ele é um banco de imagens gratuito com cara de Brasil.
Por enquanto a plataforma tem ensaios divididos por dia da semana. Na quarta tem a família assistindo futebol, no domingo uma galera fazendo churrasco… Seria incrível se eles fizessem um ensaio inspirado no natal, né?
Alô @Lab 678, fica aí a sugestão :)
📌 Links aleatórios que valem o clique
Impossível não se emocionar com essa aqui.
É oficial, 2022 está nos últimos minutos do segundo tempo. Eu sei que o ano acabou quando assisto a retrospectiva do Google.
Uma playlist de natal com musiquinhas em português caso você ainda precise de ajuda para entrar no clima.
Essa é a última Teoricamente do ano :)
Eu até tinha pensado em uma edição para a semana que vem mas a verdade é que eu estou me sentindo esgotada. Fim de ano tem dessas, né?
Não vou negar que escrever um tema por semana tem sido um desafio, mas também é um prazer imenso. Espero que durante essas 6 primeiras edições eu tenha cumprido a promessa de levar uma dose de teoria e inspiração até a caixa de entrada do seu e-mail e refletir junto com você sobre tantos temas diferentes.
A parte mais legal disso tudo pra mim é conversar sobre alguma edição (e isso aconteceu várias vezes), por e-mail, pessoalmente, nas redes sociais. Vira e mexe alguém aparece para adicionar um pensamento, refletir junto, dizer que aquilo fez sentido ou que até então nunca tinha pensado nisso.
Escrever é bom, mas trocar com você é ainda mais poderoso. E falar comigo é fácil, é só responder esse e-mail. Se tiver alguma sugestão, já sabe onde me achar.
Obrigada por continuar por aqui.
Até
terçaano que vem!Le