[tempo de leitura: 6 minutos]
a edição de hoje começa comigo no banco do passageiro, meu pai no volante e, como de costume, alguma das suas rádios favoritas de música popular brasileira tocando.
te convido a entrar nesse carro com a gente, aumentar o volume e, por alguns minutos, parar de planejar o futuro, pausar o presente e se concentrar no passado.
beijos, le :)
essa é uma tradição que eu e meu pai criamos sem perceber.
quando estamos só nós dois no carro, ligamos o rádio e cantamos juntos as mais famosas da mpb. entre um verso e outro comentamos a genialidade do refrão ou uma curiosidade sobre a música.
nesse dia, um trecho de á primeira vista, do chico césar, chamou nossa atenção.
na sexta estrofe, ele canta com essa voz mansinha e gostosa de escutar:
quando chegou carta, abri
quando ouvi salif keita, dancei
quando o olho brilhou, entendi
quando criei asas, voei
“quem é salif keita?” - meu pai disse em voz alta enquanto eu me fazia silenciosamente a mesma pergunta.
recorri ao bom e velho google e ele me respondeu:
salif keïta é um músico e cantor de mali, conhecido como a voz de ouro da áfrica. apesar do talento, salif keita não deveria ser um cantor, por não pertencer a uma família “griot”.
e foi assim que eu descobri que:
griot é o indivíduo que na áfrica ocidental tem por vocação preservar e transmitir as histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo.
existiam griôs músicos e griôs contadores de histórias. eles ensinavam arte, o conhecimento das plantas, as tradições, as histórias e aconselhavam membros das famílias reais.
eles eram os responsáveis por preservar e transmitir as histórias do seu povo.
alguns anos atrás, enquanto observava minha vó deitada em sua cama, sem conseguir falar ou se movimentar, um pensamento me acertou em cheio:
quando ela se for, toda a sua história (que também é parte da minha) vai junto com ela.
o que eu sabia da minha vó além das memórias que construímos juntas na minha infância? muito pouco, quase nada.
à essa altura eu já não podia ouvir da boca dela sua própria história, mas contei com a ajuda das mulheres da minha família para guardar em algum lugar quem foi dona rosa. no fim, todas compartilharam comigo suas melhores memórias com ela, falaram o que sabiam do seu passado, as comidas que ela preparava, os apelidos que ela criava, os costumes que ela passou para as filhas e que as filhas passaram para os netos.
ouvi vários minutos de áudios cheios de palavras misturadas com risadas e lágrimas e transformei tudo em um livro de contos que me conforta quando a saudade aperta.
lemos os contos e choramos juntas. minha prima imprimiu mais cópias. hoje, um pouquinho de quem foi minha vó, está nas estantes das minhas tias e, mais importante que isso, está fresco nas nossas memórias e vira e mexe é relembrado nos encontros da família.
a internet nos dá essa certeza de que tudo está salvo. cada foto postada no instagram, cada pensamento compartilhado no twitter, cada vídeo de poucos segundos no tiktok. ufa! nossa história está ali, documentada em alguma nuvem.
mas será que a tecnologia dá conta de preservar o passado?
em “as memórias que inventamos para as redes sociais”, refleti sobre como o jeito que registramos nossos momentos hoje compromete como vamos recordar nossas memórias no futuro. como esse monte de edições, recortes e filtros é bem menos interessante que os antigos álbuns de fotografia que as mães costumavam guardar em casa.
mas hoje, quero ir um pouco além da história individual.
quanto você sabe da história dos que vieram antes de você?
tenho quase certeza que isso não está documentado em nenhum canto da internet.
não é preciso ir longe, comece por aqueles que ainda estão ao seu redor: avós, pais, tios e tias, amigos antigos da família, alguém que te viu crescer.
de onde essas pessoas vieram?
como foi sua infância?
quem eram seus pais?
o que os tornou quem são hoje?
escutar a história de quem veio antes é garantir que a nossa própria história continue viva. ouvir o mais velho e compartilhar com o mais novo é o único jeito de não matar o passado.
se torne responsável por preservar e transmitir as histórias do seu povo.
se inspire nos griots.
duas citações 💬
“para alguns povos da áfrica, os griots são aqueles que contam as histórias, narram os acontecimentos de um povo, passando as tradições para as gerações futuras (…) abdias nascimento é, portanto, um dos maiores griots que o brasil já teve no contexto das questões raciais. seu legado é vivo e respeitado por aqueles que o sucederam na luta." [amostra cultural]
“eu sempre achei que era impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa.” [vídeo]
três links 🔗
🍿
"todo mundo tem uma família e cada família tem uma história”. ao longo de seis temporadas, a série this is us explora a história de várias gerações de uma família. ela é o exemplo perfeito de tudo o que podemos aprender olhando para trás (e está na minha lista de favoritas). [link]
✍🏼
“o que é o fim, se não a maior tendência de todas?” essa é uma das reflexões que mais me tocaram nos últimos tempos. afinal, porque ignoramos o fim se sabemos que ele é, muitas vezes, a única certeza? [link]
🤳
as redes sociais assumiram o papel de guardiã das nossas memórias, mas os momentos que postamos lá estão cada vez mais editados. na tentativa de tornar nossa vida mais atraente para quem nos segue, antes de postar, inventamos as memórias que queremos lembrar. [link]
💌 agora tem trechinhos das edições no tiktok @_teoricamente
📱 se postar no story, marca meu insta? @souza_ltc
oi!
nas últimas semanas muita gente nova apareceu por aqui, a maioria por indicação de duas newsletters que eu admiro: bits to brands e sofia ❤️ eu não poderia estar mais feliz e orgulhosa, juro.
pra quem acabou de chegar: a partir de agora temos um encontro marcado toda quarta para refletir sobre os mais diversos assuntos e pensar como eles moldam as narrativas que nos cercam. você vai perceber que as reflexões por aqui sempre nascem de algum acontecimento bem pessoal e se desenrolam até virar uma discussão que faz sentido compartilhar.
ler as reflexões de vocês a partir dos textos é, com certeza, a melhor parte desse projeto. comente suas ideias, responda o e-mail com suas indicações, poste um story com o que achou do texto e me marque… essas conexões são especiais para mim.
até quarta que vem :)
le
a teoricamente é uma conversa gostosa, em um sofá confortável, dividindo o petisco favorito com amigos que te fazem bem. toda quarta, novas reflexões sobre a loucura que é descobrir a vida enquanto vivemos. gostou? então chama mais gente legal pra essa conversa! é só compartilhar essa edição :)
Que fofo seu livro de contos com as histórias de vida da sua avó! É tão importante manter viva a história das nossas familias <3
bela reflexão