[edição 21 | tempo de leitura: 7 minutos]
Você acredita que um brinquedo é capaz de mudar a forma como uma geração entende ou fala sobre um assunto?
A edição de hoje é sobre ela, amada e odiada na mesma medida ao redor do mundo todo, a primeira e única: Barbie.
Mas não é só sobre a boneca, sobre o filme ou sobre tudo que já falaram por aí. É sobre aquilo que quase ninguém presta atenção.
Tá afim de descobrir?
Em 2022, meu quarto, que já era pequeno, diminuiu ainda mais quando minha irmã nasceu. Não tinha espaço para muita coisa, mas fiz questão de reservar uma parte de destaque pro meu brinquedo preferido: a Barbie Princesa Noiva.
Meu pai parafusou uma prateleira bem em cima da minha cama e todas as noites eu pegava no sono olhando para ela.
Conforme minha irmã crescia, mais Barbies chegavam em casa. Juntando nossas bonecas fizemos uma mini coleção: médica, veterinária, bailarina, cantora. Uma delas tinha um carro, a outra um cavalo.
Durante a brincadeira a gente trocava as roupas: a bailarina virava princesa, a princesa virava motorista, a motorista virava médica.
Quanta combinações e possibilidades de histórias moravam ali naquela prateleira com algumas poucas bonecas?
A Barbie é aquele tipo de brinquedo em que a brincadeira não vem pronta. Ela é só um veículo para para inventar histórias, construir cenários e roteiros.
E essa é a verdadeira brincadeira.
Sentada no chão, quase sempre acompanhada da minha irmã e a da minha prima, eu sem perceber comecei a explorar os cenários possíveis do meu futuro como uma mulher adulta.
Com o que eu poderia trabalhar?
Qual casa eu gostaria de ter?
De qual cor seria o meu carro?
De lá pra cá muitos anos se passaram mas, ainda hoje, quando entro em uma loja de brinquedos, sempre dou um jeito de passar no corredor onde ela está. Enquanto olho as prateleiras, por um segundo, me sinto uma menina de novo.
Mas foi só recentemente que voltei a pensar nela com mais frequência. A euforia que acompanhou a divulgação do filme da Barbie me fez pensar:
O que a Barbie tem de tão especial?
Afinal, 64 anos e muitas versões, profissões, roupas e acessórios depois, as crianças continuam respondendo "sim” se você perguntar se elas conhecem essa boneca.
O que realmente faz a Barbie ser tão especial é o seu propósito: inspirar as meninas a sonharem alto e a se tornarem o que quiserem. A partir dessa clareza, a Barbie consegue se reinventar e se reconectar com seu público, evoluindo ao longo do tempo as suas estratégias de marca, negócio e comunicação. (LAJE)
Inspirar as meninas a sonharem alto e a se tornarem o que quiserem.
Partindo desse propósito claro, a marca precisa garantir que está atenta às mudanças do mundo e disposta à se adaptar. E é o que a Barbie tem feito desde que foi lançada:
Na década de 80, enquanto as mulheres do mundo real começavam a ocupar mais espaços nos locais de trabalho, a Barbie deixou de ser apenas uma boneca com roupas bonitas e adotou as mais diversas profissões.
Nos anos 90, o termo Girl Power chegou ao grande público na voz das Spice Girls. Na mesma década, a marca de bonecas lançou uma campanha com o slogan "Nós meninas podemos fazer qualquer coisa".
Nos anos 2000, a Barbie se adaptou a um mundo com MP3 Player, câmera digital e internet e lançou um site com jogos online que virou o meu passatempo preferido.
Desde 2017, a Barbie tem se esforçado para trazer diversidade e inclusão para a sua linha de produtos. Apesar de ainda ser associada à uma boneca branca e loira de cabelos lisos, olhos azuis e cintura fina, ao entrar no site outros tons de pele e tipos de corpo aparecem no catálogo.
Nos últimos anos, a Mattel criou bonecas com aparelho auditivo, prótese e cadeira de rodas. O objetivo, segundo a companhia, era que "todas as crianças se vissem na Barbie", e que também houvesse a oportunidade de que brincassem "com bonecas que não se parecem com elas". (BBC)
Seja por motivações financeiras, pelos valores da marca ou uma mistura dos dois, é fato que (com a rapidez o mundo pede ou não) a Barbie tem conseguido se manter atual desde 1959.
Ao mesmo tempo que as mudanças na sociedade impulsionam (e pressionam) a marca a produzir bonecas que refletem as pautas de cada geração, as adaptações adotadas pela boneca reforçam as narrativas que contamos, ajudando a torná-las mais palpáveis e fortes ao longo do tempo, além de ter um papel importantíssimo de traduzir o espírito do tempo para um público que precisa recebê-lo da forma mais simples possível: as crianças.
Apesar de ter espaço para muitas melhorias, é fato que o que a Barbie fez foi (e ainda é) revolucionário.
Enquanto escrevia essa edição, esbarrei em um artigo sobre as Spice Girls e esse trecho me chamou atenção:
As críticas às Spices Girls são válidas e necessárias, mas o que escapa a elas com frequência é um fato muito simples: o girl power nunca pretendeu ser uma perspectiva feminista acadêmica (...) Era música pop feita para meninas para inspirá-las a serem confiantes, acreditarem em suas capacidades e apoiarem suas amigas. Era uma ideia simples, fácil de entender e muito básica. E esse era exatamente o objetivo. (VICE)
De alguma forma, isso conversa também com o propósito da Barbie.
Ela é uma boneca de plástico que criou um padrão estético problemático? Sim, não dá pra negar. E por anos ela representou apenas meninas brancas e magras? Sim, e isso é um problemão.
Mas também é fato que ela foi responsável por abrir um mundo de possibilidades para as meninas em uma época em que os meninos sonhavam em ser o que quisessem com suas miniaturas de carros de polícia, bolas de futebol e capacetes de astronauta, enquanto as meninas aprendiam a trocar fraldas e dar mamadeira com o único brinquedo feito especialmente para elas, que as treinavam para um futuro que se resumia em ser mãe e esposa.
E também é verdade que, apesar das críticas, ela continuou atenta às exigências das novas gerações e evoluindo, mesmo que com passos lentos, em direção ao que o futuro pedia.
Isso tudo me faz enxergar a Barbie, não como a responsável pela mudança na forma como as meninas se veem, mas como uma ferramenta poderosa que de alguma forma ajudou essa nova narrativa a se popularizar ao longo dos anos, enchendo o insconsciente infantil com imagens de mulheres que, como o slogan bem diz, “podem ser o que quiser”.
“Em uma época em que termos como diversidade, equidade, inclusão, ESG e acessibilidade estão se tornando populares no meio corporativo, é preciso destacar os movimentos que estão reescrevendo radicalmente a narrativa sobre deficiência”. (Forbes)
*
"A Barbie sempre está na sua melhor forma quando reflete a cultura e se conecta a ela", diz McKnight, vice-presidente sênior da Barbie e chefe global de bonecas da Mattel. "Fizemos um esforço real nos últimos anos para garantir que a Barbie esteja acompanhando este ritmo". (BBC)
*
“Enquanto uma garota brincar com uma boneca Barbie e absorver a mensagem inconsciente de que ela precisa de uma cintura fina para atingir seus objetivos, as Barbies continuarão limitando, não fortalecendo”. (Independent)
Sabia que dá pra curtir esse texto? É só clicar no coraçãozinho ❤️ no início ou no fim do e-mail.
“O que acontece quando meninas estão livres para imaginar que podem ser tudo o que quiserem?” Essa campanha é de 2016, mas continua retratando de um jeito simples e inspirador o propósito da marca.
🚗 Uma das publicidades mais geniais que eu já vi unindo video game, carros e um orçamento baixíssimo.
💞 Esse perfil no instagram conta em poucos segundos as histórias de como os casais passeando nas ruas de Nova York se conheceram. Sei lá, eu sou romântica e amo ver essas coisas.
🎞 1 minuto com todas as referências aos clássicos de Hollywood que aparecem em La La Land (um dos meus filmes favoritos).
Oi,
A edição de hoje chegou no seu e-mail com um dia de atraso porque, sinceramente, foi o que deu pra fazer 🥲
No meio de tanta demanda no trabalho, mudanças na rotina e ansiedade, precisei abrir mão de escrever a edição passada (e a de hoje quase não saiu). Mas no fim deu tudo certo! Depois de descansar a mente, consegui colocar em palavras esse monte de pensamento andando na minha cabeça desde que o filme da Barbie foi anunciado.
E aí, fez sentido pra você? Me conta nos comentários ou responde esse e-mail, fiquei curiosa pra saber.
Até quarta que vem,
Le
👩🏼💻 A Teoricamente é escrita por Leticia, profissional de comunicação sempre estudando sobre marca, comportamento e narrativa. Você pode me encontrar no LinkedIn e no Instagram (com mais frequência do que deveria).
Eu nunca tinha pensado na Barbie dessa maneira, justamente porque sempre que leio algo sobre a boneca é criticando negativamente. Mas de fato, eu lembro que tinha uma Barbie veterinária e que por longos anos quis ser veterinária por causa dela. Pense só: uma menininha dos anos 1990 que pensava em quando crescer ter uma profissão e não em ser mamãe de uma Barbie e cozinhar em panelinhas, rsrs... achei legal conseguir rever a infância com esse olhar que você trouxe.