[edição 4 | tempo de leitura: 8 minutos]
eu cresci ouvindo sobre o perigo das apostas em todo lugar. fosse nas histórias da família sobre um conhecido que perdeu tudo pro jogo, nos filmes de hollywood onde o protagonista começa ganhando e termina tragicamente como um viciado ou até mesmo na lei, que proibia qualquer tipo de jogo de azar no brasil.
na minha cabeça, desde sempre, aposta nunca foi sinônimo de coisa boa. talvez por isso eu tenha me assustado tanto quando percebi o número crescente de publicidade de sites de aposta na internet e nos campeonatos de futebol.
até então, o meu estereótipo de amantes de jogos de azar no brasil eram senhores aposentados e, geralmente, supersticiosos que transformavam qualquer trocado em aposta. hoje, o apostador pode ser qualquer um e talvez você até conheça alguém que faça (ou queira fazer) parte desse grupo.
como a indústria de apostas tem construído essa nova (e potente) narrativa?
esse é o tema da edição de hoje.
em 2018 os sites de apostas esportivas desembarcaram no Brasil.
em 2021, apenas três anos depois, 450 sites de aposta já movimentavam cerca de 12 bilhões de reais por ano e patrocinavam 19 dos 20 clubes brasileiros da primeira divisão do campeonato nacional.
apesar de operarem no brasil, suas sedes estão no exterior. essa foi a forma que as empresas encontraram de oferecer jogos de azar (ainda ilegais no país), já que não respondem à legislação brasileira.
é como se o brasil estivesse em uma zona em que não é legal, nem ilegal apostar. isso porque o decreto de 1946 que proibiu as apostas e cassino no país obviamente não alcança as plataformas online. [link]
a legalização do jogo, que já está à caminho, beneficiaria o estado no arrecadamento de milhões de reais em impostos, mas a popularização das apostas também levanta um debate sobre os impactos negativos na saúde mental dos apostadores.
mas o que me deixa curiosa mesmo é entender como uma indústria que há tantos anos não é vista com bons olhos ressurge das cinzas, muda seu público e conquista a confiança de tanta gente tão rápido?
e não é só aqui…
antes de mais nada é preciso lembrar que não é só no brasil que os sites de aposta vêm crescendo. Em novembro deste ano, o jornal estadunidense new york times publicou uma investigação sobre como a indústria de apostas esportivas cresceu tanto e tão rápido no país, crescimento que representou a maior expansão na história da indústria.
esses foram alguns achados da pesquisa:
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os estados permitiram que as empresas facilitassem a entrada de novos clientes no jogo.
as empresas distribuíram centenas de milhões de dólares em apostas isentas de impostos aos potenciais apostadores.
essa é uma abordagem de marketing moderna do que acontecia antigamente, quando os cassinos físicos ofereciam viagem de ônibus gratuitas e moedas de graça para máquinas caça-níqueis visando atrair clientes para um novo hábito: apostar em jogos.
🎓
os sites de aposta se aliaram à universidades.
pelo menos oito universidades se tornaram parceiras das empresas em troca de milhões de dólares. Isso levantou um questionamento sobre a ética dessas instituições ao fazer propaganda para jovens em idade vulnerável ao desenvolvimento de distúrbios causados por jogos de azar.
em um dos acordos, cada vez que alguém baixa o aplicativo de apostas e usa um código promocional especial, a universidade recebe uma taxa de US$ 30.
💰
investimento em mídia controversa.
um dos sites transformou david portnoy, fundador e líder da barstool (canal de esporte e cultura pop) em um dos porta-vozes mais proeminentes da indústria de apostas esportivas.
portnoy é uma figura pública conhecida por seu histórico de comportamento misógino e racista.
mas… e aqui?
o mercado de apostas esportivas no brasil alcançou R$ 7 bilhões em 2020, mesmo com a pandemia que paralisou boa parte dos jogos. entre 2018 e 2020, o setor cresceu de 2 para 7 bilhões de reais.
o futebol é de longe o esporte em que mais se aposta no brasil. o brasileirão e a libertadores são os campeonatos que mais recebem apostas, mas até os amistosos da seleção e a copa são paulo de futebol junior entram na lista.
aqui no brasil, as principais estratégias para um crescimento tão rápido foram:
🏆
alianças com nomes conhecidos no meio esportivo.
se nos estados unidos a publicidade focou nas universidades, no brasil uma quantia expressiva foi parar dentro do esporte.
aparecer em uniformes de grandes clubes ou torneios se provou uma forma eficaz de atrair possíveis apostadores. 36% das pessoas preferem um site de apostas que patrocina algum time, jogador ou esporte conhecido. Hoje, o setor de apostas já é responsável por mais de 60% de todo patrocínio recebido pelos clubes de futebol das séries A e B no país.
a brbet.com apostou em uma linha diferente (ainda dentro do mundo esportivo) e escolheu myke tyson como embaixador da marca. segundo rafael saling, fundador da agência que desenvolveu a campanha:
“tyson mostra nesta campanha uma faceta muito cativante, capaz de criar conexões empáticas com o público que gosta de se divertir com apostas esportivas".
é uma decisão assertiva já que 60% das pessoas afirmam apostar por diversão e 1/3 para se conectar ou socializar com amigos.
🤑
bônus de incentivo.
assim como nos estados unidos, as apostas grátis que as plataformas disponibilizam são um gancho para conquistar novos apostadores. o chamado "bônus de incentivo” foi elencado como o segundo fator mais relevante na escolha de uma plataforma de apostas.
esse bônus atrai e fideliza usuários porque dá a eles a impressão de levar vantagem sobre o site.
o que mudou?
Se antes a visão que tínhamos quando pensávamos em aposta era a de lugares luxuosos e não tão acessíveis, das casas de aposta em las vegas cheias de turistas loucos para gastar dinheiro ou de viciados em estatísticas de jogos, a chegada dos sites de aposta online mudou tudo.
hoje, a publicidade foca em mostrar que qualquer um pode apostar, a qualquer hora e de qualquer lugar. a indústria deixa de lado a narrativa de que apostar é algo tenso, estratégico e para poucos e dá lugar à ideia de um passatempo divertido e acessível.
seja pelo design e o acesso móvel pelos aplicativos de celular que torna tudo tentadoramente simples.
ou pelo tom de voz descontraído adotado nas campanhas, que ainda não são obrigadas a falar a respeito de saúde mental e responsabilidade financeira ao apostar.
se a legalização de fato acontecer, a indústria pode se deparar com normas para campanhas publicitárias. da mesma maneira como a indústria do cigarro e do álcool alertam sobre os riscos que o produto pode causar à saúde, os sites deverão investir em conteúdo de educação e conscientização sobre o possível vício.
para mim, também é impossível não pensar em como essa popularização tão rápida e descontrolada que já envolve bilhões de reais pode mudar a relação das pessoas com o futebol.
será que em algum momento acertar a quantidade de cartões amarelos em um jogo vai ser mais satisfatório do que gritar gol?
se mais da metade das pessoas apostam para se divertir ou se conectar com os amigos, a aposta passará a ocupar o lugar do esporte em si? nos encontraremos para discutir apostas ao invés de discutir partidas de futebol?
vamos esperar pra ver.
links 🔗
📹
o episódio 4 da minisérie “explicando… dinheiro'‘, da Netflix, fala sobre a história da indústria de apostas e seus avanços nos últimos anos. ela conta desde a criação dos cassinos até a otimização dos jogos para a internet em 20 minutos. vale muito assistir pra entender o raciocínio por trás dessa indústria cada vez mais valiosa que está sempre se reinventando. [link]
📈
a pesquisa “brazilian player: o mercado de apostas esportivas no brasil” serviu de referência para muitos dos números citados no texto sobre o cenário das apostas esportivas no nosso país. recomendo a leitura se você se interessar em saber mais. [link]
💡
nem as previsões dos matemáticos de oxford conseguiram prever os resultados da copa. essa reflexão curtinha ajuda a entender o porquê. discussão necessária com a chegada dessa nova indústria e, com ela, os gurus de apostas. [link]
🔞
essa campanha da Betano ilustra bem como a tecnologia móvel é uma grande aliada da nova era das apostas. além disso, foi a única propaganda que eu vi até agora com o alerta: "proibido para menores de 18 anos. jogue com responsabilidade".s eria esse o futuro das propagandas pós legalização?
😂
pensando aqui em quem apostou no jogo brasil x camarões. [link]
🇧🇷
pra quem gostou da edição passada sobre a camiseta da seleção, essa newsletter falou sobre o mesmo tema do ponto de vista estético e fez um gráfico incrível pra você, que ainda tem medo de se vestir de torcedor e ser confundido com um bolsonarista, conseguir escolher um look pra ver o jogo. [link]