[tempo de leitura: 7 minutos]
as redes sociais assumiram o papel de guardiã das nossas memórias, mas, tenha você percebido ou não, os momentos que postamos lá estão cada vez mais editados.
na tentativa de tornar nossa vida mais atraente para quem nos segue, antes de postar, inventamos as memórias que queremos lembrar.
mas nem sempre foi assim…
espero que a edição de hoje desperte em você a vontade de voltar a colecionar memórias verdadeiras sem comprometer a experiência incrível que é vivê-las no presente.
até quarta,
leticia :)
quem me conhece sabe que a minha memória não é das melhores.
já esqueci muitas datas de aniversário, confundo nomes minutos depois de ser apresentada a alguém e, se não anoto, não lembro. talvez por isso eu tenha essa necessidade de documentar as coisas.
com o tempo, descobri que escrever é o meu jeito favorito de guardar memórias.
quando escrevo sobre um momento, uma viagem ou um sentimento, mesmo depois de anos, me sinto invadida pela memória completa ao reler as palavras. é um jeito poético de relembrar o passado e, pra quem sempre viu tudo como poesia, funciona bem.
mas não posso negar que abro um sorriso ao rolar os arquivos de stories no instagram e ver uma foto num bar qualquer, tomando uma caipirinha de qualidade duvidosa com as minhas melhores amigas quatro anos atrás. ou aquela selfie, que já nem lembrava mais de ter tirado, emocionada por estar viajando sozinha pela primeira vez.
o papel guarda melhor os sentimentos, mas é a foto que ajuda a gente a realmente enxergar nosso corpo no passado.
por um tempo as fotos foram isso, recordações impressas no papel.
tem uma caixa inteira dessas memórias reveladas em papel fotográfico aqui em casa, desde o meu nascimento até o nascimento da minha irmã. mas é impossível não reparar que a quantidade de fotos da infância dela é muito menor que da minha.
eu nasci em 1997 e minha irmã em 2002.
não é que meus pais tirassem menos foto dela, na verdade é o oposto completo, tirávamos foto o tempo inteiro, mas essas imagens não iam mais parar em um álbum físico. elas ficavam nas câmeras digitais e, depois de um tempo, eram descarregadas lentamente, com ajuda de um cabo (nada de bluetooth), no computador.
com o tempo, as fotos da minha irmã foram se perdendo por aí. algumas ficaram nos filmes que nunca foram revelados depois da chegada da câmera digital, outras foram salvas em um computador antigo ou em algum pen drive que se perdeu na mudança de uma casa pra outra.
popularizaram a câmera digital, mas muita gente parecia não saber o que fazer com tantas fotos presas em uma tela de computador.
dai, as redes sociais chegaram pra mudar tudo.
nós descobrimos um novo lugar para, não só arquivar todas essas memórias, mas mostrá-las para os nossos amigos.
compartilhávamos mais que fotos: de cafézinhos bonitos na mesa a momentos especiais, dividíamos online nossa vida real com nossos amigos também reais.
mas já faz um tempo que o registro digital não serve apenas para recordar.
na verdade, essa virou uma das últimas funcionalidades na lista.
a mudança de chave aconteceu quando todo mundo percebeu que a qualquer momento, um conteúdo compartilhado nas redes tinha a possibilidade de viralizar e que, junto com a viralização, viria um número expressivo de seguidores, alguns minutos de fama, muitas publis e, quem sabe, até a monetização.
poste todos os dias, compartilhe sua vida, interaja com os seus seguidores, ganhe dinheiro e repita.
em algum momento, o instagram parou de mostrar as fotos dos nossos amigos em ordem cronológica, anúncios interromperam a sequências de rostos conhecidos no feed e você passou a receber sugestões da plataforma para seguir desconhecidos.
em algum momento, essa rede deixou de ser sobre “o que os meus amigos estão fazendo?” para ser “o que eu quero que o mundo pense que eu estou fazendo?”
e foi mais ou menos por ai que deixamos de postar memórias cotidianas e passamos a reservar para o feed apenas para as especiais: selfies em pontos turísticos, fotos da viagem perfeita… de 50 tentativas, apenas uma merecedora de estampar a grade de fotos.
as redes sociais viraram um cartão de visitas, o lugar perfeito para formar opinião antes de um date, de uma entrevista de emprego, de escolher um restaurante, de decidir para onde viajar, de definir o próximo treino, de saber quais produtos comprar (e quais não comprar também).
passamos a editar o que aparece por lá.
recortamos várias partes do cenário e criamos uma nova colagem do que um momento realmente foi. antes de postar, inventamos as memórias que queremos lembrar.
este ano, decidi que, ao invés de inventar minhas memórias, queria recordar apenas o que de fato vivi. e percebi que, quando vivo de verdade, quase não posto.
ao viajar, faço meus registros no modo avião, desligo tudo, me desconecto do digital para me reconectar com o mundo real.
documento apenas para mim e, quando me bate a saudade, compilo e publico, mas nunca para os outros.
não me atento aos horários de maior engajamento, não crio estratégias para garantir mais likes, não uso um formato só pelo seu alcance, não encho as imagens de filtros, não manipulo meu corpo com photoshop, não penso em legendas impactantes.
publico cada foto como uma memória guardada fora da cabeça, na expectativa de transformar o Instagram no meu antigo álbum para, quem sabe no futuro, vasculhar esse perfil do mesmo jeito que faço com a caixa cheia de fotos da minha infância que minha mãe guarda há 25 anos.
alguns links 🔗
💡 essa reflexão vai te fazer repensar onde está sua atenção durante momentos especiais. “se todo mundo quer filmar os aplausos, quantos sobram com as mãos livres para aplaudir de fato?” [link]
❤️ não foi sempre assim. você se lembra como era a internet antes de todo mundo querer viralizar? “inicialmente, usávamos as redes sociais para cultivar as nossas relações pessoais e profissionais (...) mais pra frente, as plataformas perceberam que esse ecossistema tornaria-se muito mais lucrativo se mais pessoas produzissem mais conteúdo.” [link]
🔎 uma seleção de casos recentes (e chocantes) que ilustram a cultura da viralização. "ninguém quer perder a oportunidade de falar qualquer coisa sobre tudo aquilo que está se falando agora. Quem sabe assim falam qualquer coisa da gente.” [link]
🤯 se os nossos registros não estão mais nem nos álbuns de fotos, nem nas redes sociais, onde estamos guardando as fotos que vamos querer mostrar para os nossos netos no futuro? [link]
😭 perca horas se emocionando com as dedicatórias lindas nos livros que esse perfil posta. [link]
🎈esse vídeo é lindo e relaxante na mesma medida. [link]
Ameiii!! Eu tenho um insta sem seguidores só pra postar essas memórias, e no meu insta aberto só tem música, eu cantando etc. mas acho que vou começar a imprimir as fotos também.
Estou apaixonada por Teoricamente, fico ansiosa para a próxima edição. Essa me fez voltar ao passado e perceber o quanto foi maravilhoso, obrigada @souza_ITC.