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a vida é feita de uma sucessão de obstáculos, angústias e falta de controle.
mas entre cada um desses momentos, existem os dias em que tudo se coloca em ordem.
todos os e-mails foram respondidos, a lista de tarefas diminuiu. dias em que tudo parece propício para um respiro.
são neles que eu me permito encher bem os pulmões de ar. respirar até não caber mais nada no peito e depois soltar, devagar.
soltar o ar com calma e carinho.
soltar o ar como quem deixa ir sabendo que vai precisar de volta.
em algum momento, meus dias assim ficaram cada vez mais raros.
era 2020, ápice da pandemia, e tudo no mundo parecia estar desmoronando.
de repente, minha mente que nunca foi tão acelerada, se tornou extremamente ansiosa.
ironicamente, os meses que me confinei dentro de casa foram os que mais me informei sobre o que acontecia lá fora.
todos os dias, notícias de todos os lugares do mundo invadiam o feed das minhas redes sociais, enchiam minha caixa de e-mail, ecoavam na televisão, no rádio, nos podcasts, nos vídeos do youtube, nas colunas das revistas, nas conversas durante o almoço, nas mensagens entre os amigos e nos stories de desconhecidos expressando sua própria opinião sobre a nova polêmica da vez.
minha cabeça se enchia ao longo do dia com tudo de ruim que se passava lá fora e revisitava as mesmas manchetes durante a noite.
em algum momento, percebi que enquanto absorvia as notícias do mundo, eu prendia a respiração.
foi então que decidi pausar o fluxo.
fiz o possível para impedir que tudo chegasse até mim o tempo todo (na medida do possível no mundo hiperconectado que vivemos). deixei de seguir os jornais, deixei de ouvir os podcasts matinais de notícia, deixei de assistir no noticiário na TV.
para conseguir respirar aliviada de novo, escapei.
tanto que agora não sei se consigo (ou se quero) voltar.
e, aparentemente, não estou sozinha.
uma pesquisa recente identificou a "dissociação” como um sentimento coletivo crescente na sociedade pós-pandemia.
dá pra dizer que dissociar nada mais é do que descolar-se da realidade por um tempo, como um mecanismo de defesa para lidar com momentos difíceis.
por mais irônico que possa parecer, nosso principal canal de informação sobre o mundo real é também onde recorremos para esquecer dele: o celular.
no digital, a necessidade de se descolar da realidade influenciou diretamente o crescimento de um tema na produção e consumo de conteúdo:
o escapismo.
a pesquisa define essa tendência como:
aquele desejo de escapar de um mundo confuso, de ter momentos de descompressão e de alienação dos problemas e da realidade, não necessariamente relacionado ao auto-cuidado.
uma das principais características do escapismo é a variedade de nichos: de limpeza de tapetes até reparo de bonecas.
nas redes sociais, cada um escapa do mundo do jeito mais improvável e diferente possível e parece que qualquer conteúdo pode ter potencial de hipnotizar alguém em busca de alienação temporária.
por aqui, sigo tentando equilibrar o peso do mundo real com a paz da alienação.
ainda sem coragem de assistir um noticiário de TV inteiro, mas procurando me informar com doses homeopáticas sobre temas que para mim têm alguma relevância, na certeza de que, quando tudo parecer pesado demais, já existe algum conteúdo por aí com o poder de me ajudar a respirar devagar por alguns minutos.
duas citações 💬
"cultura do conforto é o ato de perseguir memórias que despertam um senso familiar de alívio. livros, filmes, seriados, músicas que você adora e que trazem um sentimento leve e agradável quando você os consome.” [bits to brands]
“se o intencionalismo é o olhar mais consciente sobre a geração e o consumo de conteúdo digital, o escapismo funciona quase como um contraponto. ele é o segundo dos três movimentos que já começaram a direcionar e ainda vão mover muito o mercado de conteúdo digital nos próximos anos." [WGSN]
três links 🔗
e a pergunta que não quer calar é: como você tem se alienado ultimamente? aqui vai a minha lista do momento:
🎞
assistindo: gossip girl (na netflix), e dando risada relembrando os celulares, os looks e a minha versão de 2010.
📖
lendo: amanhã, amanhã e ainda outro amanhã, um best-seller do new york times que me transportou para outro lugar logo no primeiro capítulo.
📱
consumindo nas redes: conteúdo sobre curiosidades artísticas aleatórias, tipo essa análise da folha sobre os filmes do wes anderson (bem legal).
Super te entendo, Letícia! Durante a pandemia eu lia tudo sobre todo lugar e sentia muito desespero. Até que decidi só acompanhar as notícias da cidade que eu morava, até pq, era a única coisa que influenciaria meu dia-a-dia. E foi a melhor coisa que fiz. Depois de um certo tempo, eu assinava a newsletter do New York Times e a recebia cedinho. Era a primeira coisa que eu fazia, e depois dava aquela tristeza. Ai decidi parar de acompanhar também. Infelizmente, a gente não tem controle de 99% das coisas acontecendo no mundo e eu precisava dessa paz pra viver meus dias.
Teoricamente já faz parte da minha semana e não importa o dia é sempre muito esperada.