[edição 26 | tempo de leitura: 7 minutos]
com 10 anos, eu olhava o futuro com curiosidade. o que será que mora lá na casa dos 20? com o que vou trabalhar, quais lugares terei conhecido? ao olhar no espelho, como vou parecer?
com 20 anos, eu olhava o futuro com ansiedade. como conquistar tudo o que quero se o tempo passa tão rápido? como me sustentar com esse salário que mal paga as contas? como viver ao máximo se todas as minhas energias ficam lá no escritório?
com 25, olho o futuro com a paciência que ele pede.
o que há de vir virá.
o que há de ser será.
tudo de bom é bem recebido, tudo de ruim é contornado. tento, cada vez mais, diminuir as aflições sobre o amanhã e focar os dois olhos apenas no hoje.
dar tempo ao tempo. é o que eu tento.
paciência
o dicionário têm várias definições para essa palavra. entre elas:
qualidade de quem espera com calma e serenidade o que tarda
talvez essa seja a que melhor defina uma nova tendência espiritual entre os jovens, que já soma mais de 34 bilhões de visualizações no TikTok, a "manifestação".
a ideia por trás desse novo conceito não é novo. na verdade, é apenas um nome mais legal para o ato de “pensar positivo". trata-se de dizer em voz alta, visualizar ou escrever seus sonhos e desejos, com a fé de que ao manifestá-los, o universo se encarregará de fazer acontecer.
vivemos dias confusos
por isso, não é de se admirar que a busca por novas formas de crer em um futuro melhor apareçam.
segundo o relatório de tendências do tinder, a geração z está entrando na idade adulta com inúmeros questionamentos e incertezas. para esta geração, acreditar no poder dos pensamentos positivos é uma maneira de lidar com a incerteza do futuro, que se tornou ainda mais assustador após a pandemia.
e como toda tendência de comportamento, essa também já tem um nome
lucky girl syndrome, ou “síndrome da garota sortuda”, é o termo que tem se espalhado por aí na descrição dos milhões de vídeos com garotas repetindo a mesma frase:
eu sou uma garota de sorte
em uma busca rápida no tiktok é fácil se deixar levar assistindo os relatos e ouvir uma vozinha lá no fundo fazer você se perguntar: "será que funciona mesmo?”
a verdade é que, por mais jovem, geração z e tiktokizado que esse fenômeno pareça, ele não é nada novo.
em 1952, o livro "o poder do pensamento positivo”, do autor Norman Vincent Peale já defendia algo parecido e foi duramente criticado por vender uma ilusão. com mais de 5 milhões de cópias vendidas, ficou claro que, com comprovação científica ou não, o método foi bem aceito e recomendado por muita gente.
a verdade é que
os jovens estão menos religiosos, mas não menos espiritualizados. pesquisas em 2022 mostraram que, em São Paulo, 30% dos jovens de 16 a 24 anos se dizem sem religião. no Rio de Janeiro, o número sobe para 34%.
segundo Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ:
a maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas.
já Regina Novaes, pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião, acrescenta que:
havia uma ideia de que, com o passar do tempo e o avanço da secularização [processo através do qual a religião perde influência sobre as variadas esferas da vida], haveria um aumento das pessoas que se desvinculariam da fé, do sobrenatural. mas isso não está acontecendo. o que está acontecendo são outros modos de ter fé.
talvez, acreditar em algo, seja lá o que for, seja mesmo o único jeito de permanecer firme nos balanços da vida.
e isso não é novidade
é só olhar a quantidade de religiões milenares que nos rodeiam, todos os rituais que criamos e templos que construímos ao logo da nossa existência como espécie humana.
mas existe algo novo se intensificando na nova geração, uma tendência em acreditar em um futuro promissor sem diretrizes e manuais.
essas novas formas de esperar e crer são, para nós, curiosos sobre o comportamento humano e sobre as narrativas do mundo, um alerta de que as coisas como eram, já não são mais.
“embora os signos do zodíaco ainda liderem a lista de tópicos mais adicionados nos perfis do Tinder por jovens de 18 a 25 anos, existe uma nova crença se popularizando. 41% dos jovens acreditam que a "manifestar" (ou seja, visualizar seus sonhos e desejos com a intenção de ajudá-los a se realizar) é a nova astrologia.”
🔗 esse foi o relatório, feito pelo departamento de pesquisa do Tinder, que me apresentou de fato à essa nova tendência. apesar de já ter ouvido falar, eu não sabia da sua proporção até encarar os números.
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"a acadêmica e professora de psicologia da NYU, Gabriele Oettingen, disse que quanto mais positivamente as pessoas sonham com o futuro, melhor se sentem no momento, elas relaxam e pressão arterial diminui. mas é preciso de energia para realizar esses desejos, sem isso, com o tempo elas ficam mais deprimidas, em parte porque estão se esforçando menos e têm menos sucesso."
🔗 uma análise do Marshable sobre a síndrome da garota sortuda.
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“um ponto-chave da terapia cognitivo-comportamental, um tratamento psicológico amplamente utilizado, é que os pensamentos são comportamentos porque são observáveis por pelo menos uma pessoa: nós mesmos. portanto, um padrão de pensamento positivo pode realmente nos ajudar a nos comportar de maneira a alcançar o sucesso.”
🔗 foi o que disse esse artigo da USA Today.
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em março, falamos por aqui sobre aquilo que não aguentávamos mais ouvir, a bendita inteligência artificial.
🔗 edição #17 - “eu não quero falar sobre inteligência artificial"
essa semana esbarrei com uma campanha do McDonald’s aproveitando bem o momento com uma publicidade feita inteira com o ChatGPT. O Burger King, como sempre, revidou. é o poder de somar a tecnologia às boas ideias.
🎞 dica de rolê cultural gratuito:
no aniversário de 115 anos da imigração japonesa no Brasil, que abriga a maior comunidade de emigrantes japoneses e descendentes fora do Japão, chega ao país o pré-lançamento do filme “onde as ondas quebram”, de Inara Chayamiti.
ele é um relato que parte de dentro para fora, onde acompanhamos Inara em busca de sua própria identidade, investigando a história de sua família que se divide entre os dois lados do mundo: Brasil e Japão.
confira aqui as sessões gratuitas.
oi!
antes de tudo, acho que vale deixar claro que o objetivo dessa edição não é falar sobre o certo ou errado quando o assunto é fé, isso seria hipocrisia sendo que eu mesma sigo uma religião.
na
, escrevo sobre comportamento e mudanças de narrativas, e o surgimento ou fortalecimento de tipos alternativos de crença é um movimento importante, que vale a pena ser observado.por aqui, sigo de olho em tudo à minha volta para entender onde esses caminhos vão nos levar, não como indivíduos, mas como sociedade. quer contribuir? responde esse e-mail com algum tema que gostaria de ver por aqui :)
até quarta que vem!
Le
muita gente gostou da edição da semana passada, e eu desconfio que é porque, apesar dos pesares, todo mundo ama ler um textão sobre o amor. se você perdeu, tá aqui o link:
👩🏼💻 A Teoricamente é escrita por Leticia, profissional de comunicação sempre estudando sobre marca, comportamento e narrativa. Você pode me encontrar no LinkedIn e no Instagram (com mais frequência do que deveria).
Essa sua frase do post-it me tocou! Tive que printar :)