Às vezes bate essa sensação de que nada é realmente novo, apenas mais do mesmo em frascos diferentes.
E se não for só uma sensação? Após todos esses anos de evolução, chegamos ao esgotamento das ideias novas?
Afinal, será que nada se cria e tudo se copia mesmo?
Existem narrativas por toda a parte, sobre tudo. Isso porque os seres humanos são viciados em contar histórias, criar significados e passá-los adiante geração após geração.
Gostamos tanto que inventamos uma indústria milionária especializada em criar histórias. Mas, com o passar do tempo elas parecem estar cada vez mais… iguais.
E a verdade é que estão mesmo.
Estudiosos afirmam que há 100 anos, nós que moramos do lado ocidental do planeta, assistimos e lemos as mesmas narrativas.
Cenário, trilha sonora, personagem, figurino. Isso tudo se reconfigura a cada lançamento e faz com que, os cartazes nas salas de cinema, os livros nas prateleiras de mais vendidos ou os alertas de novidade da Netflix, nos faça sentir como se estivéssemos prestes a descobrir algo novo.
O El País categorizou as 6 narrativas1 que o cinema, e principalmente os filmes de Hollywood, tem nos contado no último século. De um jeito bem simples, elas são mais ou menos assim:
Histórias de Ícaro: a medida que o protagonista melhora de vida vai esquecendo suas virtudes e integridade. No fim ele sofre algum golpe que o ensina sobre humildade.
Histórias de Orfeu: parece a História de Ícaro, mas com um fim trágico. Aqui o protagonista pode até encontrar o que precisava mas perde outra vez.
Histórias de Cinderela: o protagonista de origem humilde supera muitos obstáculos e melhora de vida sem perder a integridade. Como recompensa conquista sucesso, amor ou felicidade.
A forja do herói: histórias sobre a busca para encontrar a si mesmo, normalmente envolvem uma viagem ou acontecimento transformador que muda a vida ou a forma de encarar o mundo do personagem principal.
A busca do herói: o protagonista até então tranquilo na sua vida pacata encontra algo que será valioso para ele, mas em seguida perde e precisa se mexer para recuperar.
Rapaz conhece moça: Um casal se conhece, algo os separa, eles percebem que se amam e se reencontram no final.
E aí, reconheceu alguma?
Sim, todas as histórias de ficção que conhecemos, consumimos, amamos ou odiamos se enquadram em uma dessas categorias, ou são o resultado da mescla de algumas delas.
Esse é um jeito fácil de entender o conceito de narrativa.
É claro que os filmes não são exatamente iguais, mas todos os roteiros seguem a mesma trajetória. Isso quer dizer que, apesar de à primeira vista parecerem diferentes, subconscientemente nos fazem sentir sensações e compreender as histórias de um jeito muito parecido.
narrativas são mesmo difíceis de mudar
Imagine uma receita de bolo passada de mãe para filha por muitas gerações. Por décadas o mesmo bolo é feito com a mesma fórmula e sempre dá certo. Nenhum ingrediente ou medida parece precisar ser alterado. A quantidade de açúcar é muito alta, provavelmente daria para fazer com menos, mas ninguém vai questionar uma receita que está na família há anos exatamente assim.
A narrativa, assim como uma receita de família, se dá pela repetição. É uma história contada uma vez e outra e outra e outra, por gerações. E quanto mais repetida ela é mais difícil fica mudar. Mesmo sabendo que tudo aquilo de açúcar é um exagero, você não ousa mexer.
além da ficção
A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm as suas narrativas.2
As narrativas não são exclusividade do cinema ou dos livros. As sociedades as criam e se constroem em torno delas. São elas quem ditam o que é socialmente aceitável ou não, o que é bonito e o que é feio, o que é verdade e o que é mentira.
O cinema e os livros, assim como a música, a mídia, e tudo o que é criado para nos entreter, propagam as narrativas que criamos por meio de milhares de histórias superficialmente diferentes, que repetem comportamentos e significados.
É como um mecanismo que instaura a ordem:
definir como queremos falar sobre algo
criar conteúdos com essa mensagem
repetir a mesma coisa de formas diferentes por anos e anos e assim…
garantir que a sociedade funcione dentro desse padrão e replique as mesmas normas
E quem define como falamos sobre as coisas?
Bom.. esse é um assunto pra outra edição 😉
teoria para se aprofundar
Não é só Hollywood que está cada vez mais padronizada. Quer um exemplo? Dá uma olhada na transformação do logo das marcas de luxo nos últimos anos:
Sim, elas parecem mesmo cada vez menos criativas, a começar pela escolha da fonte. Do logo das grandes grifes de moda ao design dos carros modernos, esse artigo* investiga porque tudo parece igual.
*O artigo original está em inglês, mas no navegador Chrome dá pra clicar no botãozinho “traduzir” que aparece do lado direito da barra de endereço e ler tudo no bom e velho português BR.
case para se inspirar
Ao mesmo tempo em que temos essa impressão de que nada novo é realmente novo, vemos cada vez mais a reciclagem daquilo que já foi sucesso um dia.
Um exemplo irritantemente verdadeiro é o sucesso de "tubarão te amo, falcão te amo…”, já peço desculpas adiantado por trazer a melodia de volta pra sua cabeça. Ela pode permanecer ecoando aí de 1 a 3 dias sem parar.
Ame ou odeie, não dá pra negar que ele é o grande hit brasileiro do momento. Tanto que extrapolou as fronteiras e têm feito muito gringo dançar uma coreografia que é basicamente uma declaração de amor a dois animais selvagens. Fico imaginando como as páginas de tradução de música estão se virando com essa.
Mas o fato é que a música reaproveitou “Onda onda", nossa velha amiga de fim de festa, sucesso nos anos 2000. A mistura de nostalgia com dancinhas pareceu uma receita perfeita para os tempos de Tik Tok.
Mas esse não é um caso isolado. Outros hits famosos nos anos 2000 estão de volta graças à tendência de reutilizá-los em partes de músicas atuais.
Se esse tema te interessa, dá um play nesse podcast aqui.
links aleatórios que valem o clique
O BBB começou e, apesar do desastre de entretenimento que foi a última edição, só se fala disso. Acho incrível como esse programa sempre renasce das cinzas. Você acha que é o fim e lá está ele, no começo do ano seguinte, repetindo a mesma receita há 23 anos, mas agora com o incrível número de 13 marcas patrocinadoras principais que já somam 1 bilhão de reais em faturamento.
Os links de hoje são sobre ele, o reality show queridinho do 🇧🇷:
🥹 Finalmente, depois de tanto furdunço, a alienação que o Brasileiro espera e merece.
🎥 Há quem diga que ele é hoje o melhor espaço na TV brasileira para construir sua marca.
😂 Mas o que nós queremos mesmo é que essa edição nos proporcione mais memes como esse aqui.
💭 Pra você que assiste BBB mas não perde a pose de cult: esse post coloca os participantes dentro dos famosos arquétipos de Carl Jung, muito utilizados na construção de marcas.
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Chegamos ao final da edição de hoje.
Acho que deu pra perceber que, apesar do tema central dessa news ser a Mudança de Narrativa, tem muita coisa que precisamos falar antes de chegar nela. Esse é um terreno muito antigo e novo ao mesmo tempo. É antigo porque contamos histórias desde as cavernas, mas faz relativamente pouco tempo que surgiu o interesse de analisar o papel das narrativas na sociedade do jeito que estamos fazendo aqui.
Essa é uma investigação coletiva. Compartilho por aqui conforme aprendo e cada contribuição é bem-vinda! Continuem enviando links, relatórios, ideias… adoro ler tudo :)
Ah, uma notícia boa: a Teoricamente está crescendo! Apesar desse nunca ter sido meu objetivo principal, ver esse projeto chegar em mais pessoas é bem animador.
Eu criei essa newsletter porque nunca encontrava nada concreto sobre o assunto por aí, principalmente em português. Se esse conteúdo é relevante pra você, encaminhe para alguém que também pode gostar.
Obrigada por continuar por aqui 💙
Até quarta que vem!
Le
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👩🏼💻 A Teoricamente é escrita por Leticia, profissional de comunicação sempre estudando sobre marca, comportamento e narrativa. Você pode me encontrar no LinkedIn, Instagram e Twitter (com mais frequência do que deveria).