[edição 35 | tempo de leitura: 5 minutos]
é como se meu corpo fosse a casa de mulheres diferentes
eu sei como sou, mas nem sempre sou assim
é confuso…
em um mês, vivo muitas de mim
às vezes com energia para mudar o rumo da minha vida inteira
às vezes procrastinando todos os problemas cotidianos no caminho
às vezes inabalável
às vezes chorona
às vezes com uma vontade absurda de me exercitar até suar
às vezes evitando qualquer movimento com todas as minhas forças
tudo isso (e muito mais) mora em um ciclo, que termina só para começar outra vez, no mês seguinte.
e nesses altos e baixos do que é ser uma mulher, com os hormônios que sobem e descem sem pensar nas consequências, me pego todos os dias criando estratégias pra conciliar as minhas muitas versões.
um dia, aos 12 anos, acordei cedo, fui ao banheiro, e, quando olhei pra baixo, vi sangue.
não me assustei.
eu vinha sendo preparada para aquele momento e sabia exatamente o que significava: eu era, oficialmente, uma “mocinha”.
mesmo não tendo certeza do que uma mocinha era, além do fato, é claro, de sangrar em momentos inconvenientes. no geral, me vendiam algo incrível.
minha mãe se emocionou
minhas tias me parabenizaram
minhas amigas da escola comemoraram
mas, no fundo, eu só conseguia pensar que o estranho mesmo era que eu continuava a mesma menina de sempre.
seja lá onde a mocinha estivesse, ainda não tinha se apresentado.
o que transforma meninas em mulheres?
foi a pergunta que me fiz quando mais e mais vídeos sobre hábitos e rituais femininos começaram a aparecer no meu celular.
as redes sociais estão lotadas deles, em especial, a rede queridinha do momento (a qual finalmente me rendi tem poucos meses): o Tiktok.
é só buscar por:
#hotgirldinner
#thatgirlroutine
#hotgirlwalk
ou qualquer outra trend com "girl” no nome.
por trás de cada vídeo estão as mesmas dicas: acorde bem cedo, cuide da pele, coma pouco, coma leve, se exercite pesado, priorize seu físico, priorize seu sucesso profissional. compre todos esses acessórios e produtos, treine muito, estude muito, trabalhe muito, e faça tudo de um jeito esteticamente bonito, ou nada terá valido a pena. faça todos os dias, ou nada terá valido a pena. seja exatamente como essa garota, ou nada terá valido a pena.
mas algo em especial me chamou atenção:
as "garotas” são, na verdade, mulheres. grande parte dos vídeos sobre hábitos de garotas, são feitos, assistidos e comentados por mulheres adultas. a infantilização feminina fica ainda mais explicita em algumas hashtags, é o caso da:
#girlsmath.
uma trend de vídeos onde mulheres explicam, muitas vezes para um homem, como funciona o pensamento financeiro feminino.
apesar de me identificar com vários dos exemplos engraçados e me surpreender com a quantidade de mulheres que usam o mesmo raciocínio, me senti incomodada pelo jeito infantilizado que somos retratadas em todos os vídeos.
não é a toa que todas essas trends levam "garota” no nome.
“o subtexto é claro: mulheres jovens são na verdade ‘garotas’ e garotas não devem ser levadas a sério. então, por que ainda estamos tão determinadas a nos referir a nós mesmas e às nossas escolhas de estilo de vida assim? parece mais do que apenas uma tentativa de recuperar a feminilidade – parece uma recusa em crescer”. (Dazed)
depois que esse pensamento me invadiu, não consegui me livrar.
como em uma sessão de terapia, dediquei um tempo me questionando porque o tema me incomodou tanto, afinal, é só mais uma onda de vídeos repetitivos na internet.
cheguei na conclusão de que minha reação não poderia ser diferente.
é difícil explicar para a minha eu de 12 anos, tão cobrada para se comportar como uma mulher desde a primeira menstruação, que, ironicamente, no mundo dos adultos, mulheres são retratadas como garotas.
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“a maioria das pessoas que se envolvem com conteúdo de ‘garotas’ são mulheres – não meninas. o que levanta a questão: porque é que tantas de nós abraçamos esta infantilização? e estarão estas tendências reforçando códigos de gênero antiquados que banalizam as experiências das mulheres?”
📄 esse artigo da revista Dazed analisa o que está por trás de todas essas tendências que levam "garota” no nome.
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novidade: a partir de agora os links compartilhados em cada edição ficam salvos no banco de teorias, o acervo de links da teoricamente :) assim é mais fácil de encontrar aquele artigo legal que você esqueceu de salvar ou a indicação do podcast que você não lembra o nome.
🎞
pra assistir: a série fleabag, da amazon prime, que é uma das minhas favoritas e também a que mais me fez refletir sobre ser mulher. esse trecho, em especial, nunca saiu da minha cabeça.
📱
nas redes: o único vídeo que encontrei no Tiktok falando sobre como a #girlsmath (mesmo sem querer) reforça um estereótipo bobo sobre nós mulheres.
o jeito mais fácil de me contar se curtiu o texto é pelo like ❤️ no início ou no fim do e-mail :)
um novo jeito de dar tchau:
👩🏼💻 A Teoricamente é escrita por Leticia, profissional de comunicação sempre estudando sobre futuro, comportamento e narrativa. Você pode me encontrar no LinkedIn, no Instagram e agora no Tiktok também (com mais frequência do que deveria).
1. cheguei aqui de paraquedas (oi, me chamo Taize hehe)
2. Concordo sim, concordo demais, e venho pensando nisso ultimamente também. Escrevi uns dias atrás sobre pessoal com 30, 40+ ficar ofendido ao ser chamada de "senhora". Meio que se recusando a se enxergar como uma pessoal adulta. Tem o etarismo, claro, a pressão social que joga a mulher que não é jovem pra escanteio, mas também observo que muitas vezes a gente mesmo se coloca nesse lugar de "envelhecer é ruim". Seja por achar que está "velha demais" pra fazer algo novo, ou no clássico "nossa, isso entrega a minha idade".
3. Adorei recadinho de áudio no final heheh