[edição 36 | tempo de leitura: 5 minutos]
faltam 5 dias para o meu aniversário.
essa é a semana do ano em que eu me sinto paralisada, congelada no tempo, como se tudo ao meu redor continuasse caminhando enquanto eu fico sentada, refletindo o que aconteceu em 365 dias.
o que eu não fiz?
o que eu gostaria de ter feito?
o que não dá mais tempo de fazer?
a paralisia é uma armadilha que me faz procurar coisas que me mantenham assim: parada, observando a vida sentada no sofá, segurando o celular, olhando conteúdo sem absorver nada.
em 2021, decidi viajar sozinha
para algum lugar que me fizesse esquecer os dias sem graça, o trabalho repetitivo, a paisagem cinzenta e a cidade barulhenta.
procurei uma passagem que coubesse no bolso, um lugar bonito nas fotos, fiz uma mala de mão e voei para a Bahia pela primeira vez.
por uma semana, vivi como se não existisse outra vida esperando por mim em São Paulo, me alienei de tudo o que acontecia no mundo real e vivi, como a Barbie, em um mundo construído para ser bom.
escapei para uma realidade alternativa, um mundo perfeito, que sinto saudade com uma frequência absurda.
o cotidiano me faz querer voltar.
os dias sem graça, o trabalho repetitivo, a paisagem cinzenta e a cidade barulhenta me dão saudade daquela ilha sem automóveis.
nos dias mais difíceis, quando a vida real parece real demais, ainda procuro uma ilha para me isolar.
o mundo virtual é cheio de ilhas.
pequenos espaços que me atraem pelo máximo de tempo possível.
diferente de Morro de São Paulo, as ilhas virtuais não precisam de transfer, são muito mais fáceis de acessar, rápidas de entreter, mas difíceis de sair.
vídeos de 15 segundos, com temas relacionados, seguidos um dos outros, que prendem a atenção com maestria.
uma hora que passa voando entre os feeds de cada uma das redes sociais instaladas no celular.
os olhos cansados do brilho da tela, vendo mais do mesmo até que o cérebro esqueça o que está vendo e só sinta o conforto de, simplesmente, olhar.
os conteúdos repetitivos e superficiais das redes são pílulas (com gosto amargo) daquela sensação das férias em que me permito, enfim, esquecer os dias sem graça, o trabalho repetitivo, a paisagem cinzenta e a cidade barulhenta. com a enorme diferença de que, quando enfim paro de rolar a tela, não me sinto nada feliz.
sigo no esforço de encontrar outras ilhas por aqui.
procuro por uma que esteja mais perto que uma viagem de avião e mais longe que a distância entre eu e meu celular.
uma caminhada, um filme, um livro, um banho demorado, uma faxina bem feita com música alta… tudo pode virar um pedaço de terra firme o suficiente para eu me esconder por um tempo, quando for preciso.
e às vezes precisamos.
e tudo bem precisar.
mas que esse refúgio seja fácil de chegar e simples de sair.
afinal, infelizmente não é todo dia que vou à Bahia,
e a vida é curta demais pra perder horas isolada em ilhas de conteúdo inútil dentro das telas.
💌 quer recomendar essa edição pra alguém? é só compartilhar esse link aqui.
🎞 um TEDx sobre o valor da nossa atenção e a relação disso tudo com as telas, por
da :
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“por mais irônico que possa parecer, nosso principal canal de informação sobre o mundo real é também onde recorremos para esquecer dele: o celular. no digital, a necessidade de se descolar da realidade influenciou diretamente o crescimento de um tema na produção e consumo de conteúdo: o escapismo.”
💌 tem mais sobre esse tema na edição #31 - como você tem se alienado.
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"quais são os limites para monetizar-se a si mesmo, numa lógica do ‘sujeito como mercadoria’? parece que estamos testemunhando novos acordos morais em jogo, bastante alinhados às demandas das plataformas e às promessas de dinheiro fácil em um momento em que o país se recupera de diversas crises econômicas."
📄 que as lives de NPC são problemáticas você já sabe, mas esse artigo levanta mais um problema que ainda não vi ninguém falando por aí.
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novidade: a partir de agora os links compartilhados em cada edição ficam salvos no banco de teorias, o acervo de links da teoricamente :) assim é mais fácil de encontrar aquele artigo legal que você esqueceu de salvar ou a indicação do podcast que você não lembra o nome.
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para ouvir: o podcast
tem sido meu companheiro de caminhadas na esteira e faxinas em casa já tem um tempo, cada episódio amarra histórias completamente diferentes de um jeito genial, dá pra escutar aqui.
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para ler: no que prestamos atenção durante uma viagem? a
levou os diários de viagem pra outro nível nessa edição da 🗺
o jeito mais fácil de me contar se curtiu o texto é pelo like ❤️ no início ou no fim do e-mail :)
👩🏼💻 A Teoricamente é escrita por Leticia, profissional de comunicação sempre estudando sobre futuro, comportamento e narrativa. Você pode me encontrar no LinkedIn, no Instagram e agora no Tiktok também (com mais frequência do que deveria).
Eu amei! Esse texto tocou profundamente em mim. Sempre reflito sobre as ilhas que ando me escondendo quando meu aniversário vai chegando. Talvez seja algo comum entre as librianas. :)
Edição boa de mais, principalmente porque me fez lembrar que esse já foi tema de uma das minhas crises existenciais kskskskk. Enquanto lia e depois que assisti ao vídeo da Beatriz, lembrei de uma frase que dizia "Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de 'usuários': Drog@s ilegais e de softwares." Quem disse isso, salvo engano foi Edward Tufte. Ademais, também me fez voltar numa anotação que fiz sobre uma ideia de que "se nós não pagamos pelo produto, nós somos o produto... Fico assustado em saber que fui programado pra ser alienado, e espero que um dia possa simplesmente viajar para Bahia kskskskkk
Primeira edição que leio e já gostei, acho que vou ler as outras 35 enquanto a próxima ainda está no forno.
Parabéns e obrigado por esses 5 minutos.<3 (•‿•)