[edição 23 | tempo de leitura: 6 minutos]
São as narrativas que existem no mundo que moldam nossas ações ou é a mudança das nossas ações que influenciam o jeito como falamos sobre as coisas do mundo?
Essa é uma pergunta que me persegue desde que comecei a me interessar por comunicação, comportamento e sociedade. Afinal, o que vem primeiro? A pressão pela mudança ou a coragem de mudar?
Até os 12 anos eu tinha uma preferência clara quando se tratava de tênis: o All Star, da Converse. Eu normalmente comprava um e usava até a sola desgastar e ouvir minha mãe dizer "é, tá na hora de um tênis novo".
Dai a gente ia até o shopping e entrava e saia das lojas com a promessa de "vou dar mais uma voltinha e já volto”.
Os meses passaram voando e, quando me dei conta, os filmes que eu gostava de assistir, o que eu pensava sobre os meninos e minhas músicas favoritas mudaram.
Foi nessa época que eu notei pela primeira vez que o modo como eu me vestia dizia algo para as pessoas. Minha roupa, querendo eu ou não, transmitia uma mensagem.
Eu era só uma pré-adolescente que tinha como maior medo não parecer legal para outros pré-adolescentes.
Foi quando eu decidi que meu próximo tênis seria um Nike.
Lembrei disso logo depois de assistir “Air – A História Por Trás do Logo”, ou simplesmente “o filme da Nike”, que chegou aos cinemas recentemente.
A maior parte do longa-metragem se divide entre reuniões de negócio que narram (provavelmente de um jeito bem mais interessante do que a vida real) a batalha da Nike para fechar um acordo com Michael Jordan. Mas não foi essa parte que mais me chamou atenção.
Ao fim do filme, enquanto assistia os créditos subirem, entendi que o grande nome dessa história não foi a Nike, seu CEO excêntrico, o incrível trabalho do time de marketing ou o próprio Michael Jordan.
A protagonista ali foi Delores, fundadora de diversas organizações sociais, autora de livros infantis e mãe de Michael Jordan.
Delores Jordan foi responsável por um mudança gigantesca na indústria, quando exigiu que a proposta da Nike garantisse ao seu filho, além de uma linha exclusiva de tênis (algo inédito até então), o direito à participação nos lucros da venda dos produtos atrelados à sua imagem.
Foi assim que Delores fez de Michael Jordan o primeiro atleta com esse tipo de acordo.
Foi assim Delores garantiu que em 2023, 20 anos depois do filho deixar as quadras, ele ainda receba R$400 milhões anualmente apenas dos royalties de seu contrato com a marca.
Foi assim também que ela abriu um precedente na forma como a indústria recompensa os atletas, que traziam muito mais dinheiro do que recebiam para as companhias milionárias do varejo esportivo atrelando suas imagens e nomes aos seus produtos.
Delores fez a proposta que mudou para sempre a relação entre marcas e atletas, criando um novo padrão do que é correto, um novo código de conduta… uma nova narrativa.
As narrativas influenciam o comportamento de muitos, mas são poucos os que conseguem influenciar as narrativas.
As histórias sobre o jeito certo e errado de se fazer as coisas chegam até nós repetidamente, pelos meios com força suficiente para repeti-las por anos no nosso cotidiano: a televisão, o cinema, os jornais, as novelas… e mais recentemente: os influenciadores digitais, os perfis de fofoca no Instagram, as trends no Tik tok…
Mas, pequenos ajustes nessas narrativas tão sólidas que carregamos geração após geração são bem difíceis de serem feitos. É preciso então que que alguém (uma pessoa, uma marca, um movimento) lidere a mudança.
Quem são os visionários capazes de mudar o jeito como uma indústria inteira lida com um assunto?
Nem todos têm um prêmio Nobel, uma biografia publicada ou uma estrela na calçada da fama. Na verdade, alguns serão interpretados como coadjuvantes em um filme, aparecerão em poucas cenas, terão poucas falas, mas, ainda assim, serão os verdadeiros responsáveis por mudar o jogo.
“Com um rosto e algumas palavras, a Nike pegou uma frase que já era símbolo de motivação e auto desafio, e atribuiu ainda mais significado a ela. “Just Do It” deixa de ser somente “levante do sofá e vá correr” ou “saia da sua zona de conforto”, para se tornar “faça o que você acha certo” e “viva conforme o que você acredita”.
O trecho acima é de um texto de 2018 da Bits to Brands, sobre a controversa campanha da Nike contra o racismo na NFL.
O anos passam, o tema infelizmente persiste e a Nike continua firme no seu posicionamento contra atos racistas no esporte. Em 2018, com Colin Kaepernick na NFL e agora com Vini Jr. na La Liga.
A referência de hoje não poderia ser outra. Se ainda não viu, vai lá assistir o filme e volta aqui pra me contar o que achou :) A parte boa é que ele já está disponível na Amazon Prime.
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Terminei o livro Kim Jiyoung, nascida em 1982 algumas semanas atrás. A história envolvente e rápida de ler é um soco no estômago de nós, mulheres, que crescemos ouvindo que os tempos mudaram, ao mesmo tempo em que tudo ao nosso redor confirma que muita coisa continua igual.
Uma leitura obrigatória para todos os homens entenderem o que é crescer mulher no século XXI.
E esse trecho aqui conversa muito com a edição de hoje:
“As leis e as instituições influenciam os valores ou os valores influenciam as leis e as instituições?”
O print ai de cima é um comentário sobre a edição #22. Se você ainda não leu, dá uma olhada aqui:
👩🏼💻 A Teoricamente é escrita por Leticia, profissional de comunicação sempre estudando sobre marca, comportamento e narrativa. Você pode me encontrar no LinkedIn e no Instagram (com mais frequência do que deveria).
A coragem de mudar é sempre uma tarefa difícil, mas é gratificante poder mudar as nossas decisões para um mundo melhor.